quinta-feira, 6 de maio de 2010

No Caminho de Santiago, rezando para Sao Pedro


Estou no Caminho de Santiago, mas acho que o santo que mais falei nos últimos dias foi Sao Pedro mesmo. Simplesmente a Espanha foi atingida por uma tormenta de frio, chuva e neve. As televisoes noticiam: "Neve em maio??". Fui pego de surpresa...eu e todos os outros peregrinos. O assunto do momento: o frio.

(alguns dias atras) Depois do último post, fui jantar com o Rafael(brasileiro que havia conhecido no trem). No único lugar possivel para comer, nos juntamos a uma mesa, com duas coroas da Irlanda e dois caras da Alemanha( eu acho...). As coroas eram umas figuras. Sobre o efeito de algumas taças de vinho, elas riam...tentavam se comunicar com os alemaes...hilario...no telao do restaurante, um jogo do Barça, fazia a plateia de espanhois delirar...as coroas riam...

No outro dia, com um alerta de alguns, tive que deixar a trilha e seguir um trecho pela carreteira. Um barranco, tornava impossivel passar de bike..será? Desas vez resolvi aceitar o conselho.

O tempo seguia bem estranho. O sol travava uma luta mediunica com as nuvens negras. Parecia que alguem estava controlando a luminosidade com um dimmer. Estava frio, mas suportavel e ao passar do dia o vento só aumentava.Meus instintos viajantes me lembravam que ventos significam mudanças...para melhor ou para pior.

Andei super bem e logo terminei o equivalente a um dia a pé. Cheguei a Puente la Reina, pretendia tomar um café, comer algo e seguir. Parei em um bar e logo avistei duas bikes. Pertenciam a um casal de espanhois que no início nao deram muita bola, depois conversamos um pouco e eles logo seguiram.

O tempo começou a fechar, choveu e o frio aumentou. Pretendia rodar até Estella(mais 22km), arrumar um bom Hostel, uma cama e um banho quente. Cheguei a Estella. Começei a procurar um lugar para ficar...quando derrepente, vejo o mesmo casal, sentando em um café. Resolvi ir peguntar se eles sabiam algum lugar. Dessa vez, a frieza inicial, deu lugar a um caloroso papo, rimos um pouco, falamos das dificuldades iniciais... Juan e Pillar, eram namorados e tinham começado a pedalar em Roncesvalles(depois dos Pirineus..rsrs) e seguiriam somente a Leon, pois as ferias só permitiam isso. Pretendiam terminar o caminho em Setembro. O papo se estendeu, a chuva diminuiu e resolvi seguir com eles a viagem, tinha desistido do Hostal...rsrs. Pretendiamos ir até onde o tempo deixasse.

E era só subida até lá..seja lá onde fosse. Passamos por um lugar clássico do caminho. Uma vinícula local, em agradecimento a Sao Tiago, mantém uma bica, que ao invés de sair agua...sai vinho! E até que o vinho é bom...também estamos na regiao La Rioja. Subimos até Cizur menor e nos hospedamos em um albergue de uma instituiçao crista holandesa. A 870m do nível do mar, o frio estava fazendo as maos e os pés congelarem. Nos instalamos e comemos um jantar delicioso, preparado alí mesmo, por um dos holandeses. Junto na mesa, um Coreano que estava a dois meses na Espanha, tentando aprender espanhol. Juntos saímos ao único bar aberto no vilarejo, para um café.

Lá outros peregrinos contavam suas histórias, falavam, claro, do frio e uma senhora ( alías, é incrível, a média dos caminhantes é de 50/60 anos) que tinha levado um tombo, de cara, a dias atrás, contava que tinha aprendido uma dica excelente. Para controlar a humidade nós pés, o ideal era colocar um absorvente feminino, na sola das botas. Bom, todos riram e o "Coreano dois meses de espanhol", claro, nao entendeu nada. Vocês nao podem ter noçao, doque foi um espanhol tentando explicar isso para um coreano...caraca eu ri muito, o cara puxou um papel, fez desenho.. ele começou assim:"..bom...toda mulher, de 28 em 28 dias...hahaha. No final o coreano pediu para ele anotar em espanhol num papel, pois ele iria pedir na primeira farmacia que visse pelo caminho...como queria ter visto essa cena.

A noite no albergue foi de muito frio. Meu saco de dormir é para no mínimo 5 graus e acordei tremendo de frio. Me encasaquei todo e tentei dormir. Ventos lá fora, cantaloravam uma medonha cançao de ninar. Os ventos das mudanças.
Infelizmente foi para pior...e bem pior. Chegou a tal tormenta. Acordamos, montamos as bikes e saimos...muito frio, usava todos os casacos disponiveis, a capa de chuva e nada.

Estava curtindo ter companhia nas pedaladas. Eles eram ótimos, tinhamos o ritmo bem parecido e apesar do frio, estavamos nos divertindo.Algumas horas depois...enquanto entravamos em um trecho de plantaçoes. O caminho que seguia tranquilo, deu lugar ao lamaçal de muito barro. Tentamos seguir, mas após algumas pedaladas, o barro já tinha entrado em todas as engrenagens, correntes e os pneus pareciam ter dobrado de tamanho.... era impossível pedalar. Tivemos que descer um barranco, e nessa hora, foi fundamental nao estar sozinho. Com gravetos, limpamos um pouco do barro, empuramos as bikes até um lugar mais tranquilo e seguimos pedalando. Logo Pillar, percebeu que na bike dela o dano foi maior. Pedras tinham entrado no passador e ela nao podia mais pedalar. Segui "depassito", mas com a chuva e o frio...tive que ir. Assim é o caminho, as pessoas vao e vem. Sabia que tinha grandes chances de nunca mais nos encontramos, mas nao tinha jeito, fui andando e quando vi tinha os perdido de vista. Eles pretendiam andar até a proxima cidade e pegar um "taxi" até a próxima oficina de bicicleta.

Logo alguns quilometros pela frente....mais lama, dessa vez...muita mesmo...e agora eu estava sozinho. Consegui sair, passando por cima de uma plantaçao. Avistei a "carreteira" e cheio de lama, tive que empurrar a bike até a cidade mais próxima.... o frio estava foda!

No bar local, encontrei tres brasileiros, que estavam fazendo todo o trajeto evitando as trilhas. Tinham sido alertados: choveu...vai pela estrada...

Na lixeira, encontrei uma garrafa grande de água e enchendo de pouco a pouco, consegui jogar jatos de agua para limpar um pouco as engrenagens da bicicleta. A decisao era, avançar ou ficar aqui nesse vilarejo. "O que é um peido...". Sabendo que o tempo nao iria melhorar, segui até Logronos, onde com certeza teria uma boa cama para dormir. Seguindo pela "carreteira", peguei um pouco de granizo e ventos que me freavam nas descidas. Em um trecho, andava com a bicicleta inclinada ( de lado )... o vento lateral era muito forte. E para melhorar...via a neve caindo nos montes a minha volta. Cheguei a Logrono, acabado...mas cheguei, procurando um lugar para dormir...derrepente...-"Nao creio...Gian Carlo!"..eram os italianos figuras que tinha conhecido na subida dos Pirineus...encontrar "gente conhecida", foi um alento. Eles ficariam dois dias na cidade, pois tinham um amigo. Consegui uma pensao para dormir...e dormi feito um bebê, disposto até a ficar mais um dia na cidade, para ver se a tormenta passava.

Pela TV, descubri que ela nao passaria e resolvi encarar o que desse, pelo menos queria avançar um pouco. Numa oficina de caminhao consegui uma mangueira mais forte e retirei todo o barro da bicicleta( que tenho carinhosamente chamado de Jú). Sabia que aquilo resolveria um problema, mas me traria outro...com a agua, retirei toda a lubrificaçao da corrente. Alguns quilometros depois e já era impossivel pedalar. A corrente gemia, as marchas nao passavam mais e empurrando, pedalando devargar e carregando nas subidas, consegui chegar a Nájera, distante somente 31km do meu último ponto. Tava morto, o frio estava perto do insuportavel. Olhei um bar que parecia fechado, mas abri a porta. A mulher falou: -"estamos fechados". Saí desolado... logo a porta se abriu de novo e um senhor falou: "Desculpe, estamos fechados para limpeza", eu "OK". "É italiano?".."Nao, Brasileiro"..."Brasileiro!!¨... bom..rsrsrs...o cara era louco pelo Lula..hahah...depois disso ficou apaixonado pelo Brasil...começou com um vinho, depois ele me ofereceu um bacalhau, depois um lugar para guardar a bibicleta...me levou a um restaurante, ele me apresentou a todo mundo...conversamos sobre poliítica, turismo...tudo ( eu nao sei mais que lingua estou falando...só sei que eles me entendem..srsr ), ele ainda arrumou um lugar para consertar a bicicleta...inacreditável!!! A única coisa que ele me pediu em troca, foi que mandasse um postal do Brasil, para ele colocar ao lado da bandeira brasileira que ele mantém no bar.

A noite, instalado em um Hostel, tive um pouco de febre, mas acreditava que devia ser pela comida...tá um pouco difícil a adaptaçao...muita fritura.

Acordei disposto a "tirar o atraso dos dias anteriores"... e rodei. No início, a chuva, prometia mais um dia difícil, mais a temperatura estava alguns graus acima...tipo 6 graus, quando saí. Foi um dia de deslocamento. Pretendia chegar a Burgos....e cheguei. Rodei 92 km. Intercalando o Caminho e a carreteira, parecia que estava numa prova do ironman...rsrsr....nao parei de pedalar o dia todo. Cumprir esse trecho, quebrar a barreira dos 300km e ter a notícia de que o tempo vai começar a melhor, deu um animo enorme.

Os últimos dias foram bem dificeis, mais passar por eles foi inesquecivel. A descoberta que a maior lembraça que terei desse lugar, sao as pessoas que a cada dia cruzam meu caminho, me anima muito a continuar e ficar aberto as surpresas, que com certeza pintaram.

Estava com saudade de postar por aqui. Muito obrigado, mais uma vez pelas mensagens de carinho, hoje me emocionei, quando depois de dias sem olhar a internet, ler recados tao carinhosos.

beijos e até o proximo post!

Gian Carlo Bellotti

4 comentários:

Dani Meres disse...

Gian, fico emocionadíssima e esperando ansiosamente por seus posts. Tenha certeza que para essas pessoas do seu caminho tem sido maravilhoso encontrar um cara como você. Você é incrível. Boa caminhada.
Pq Ju?
bjs
Dani

Unknown disse...

Cabeça,
Parabéns por mais essa conquista!
Estou super fã do seu blog e descobrindo um lado do meu irmão que não conhecia... e estou amando!!!
BJs com saudades,
Irmã

carlos Leandro disse...

Tu é foda ! Tô me divertindo muito !

carol disse...

incrííííível!!!!

a próxima viagem de bike q vc fizer me avisa. quero ir junto! que tal cruzarmos o senegal? beijos